Minhas origens

A minha história começa com a saga dos meus antepassados no ano de 1896 quando meu tataravô Giovanni Battista Scarpa, e tataravó, Maria Lugia Canu, após a morte de seu filho primogênito e de um desentendimento familiar resolvem emigrar para o Brasil, com suas filhas Antonietta Scarpa, minha bisavó, contando com apenas 5 anos, e Maria Scarpa, todos oriundos da aldeia de Tissi, província de Sassari, Sardenha. Primeiramente, deslocaram-se para Cagliari, mais ao sul da Ilha da Sardegna e foram rumo a Península onde, no Porto de Genova, embarcaram no Vapor America rumo ao Brasil e chegaram dias depois no Porto do Rio de Janeiro, embarcando na Estação de Trem da Leopoldina com rumo a Hospedaria dos Imigrantes de Juiz de Fora, onde chegaram no dia 02.10.1896, e permaneceram até 07.10.1896, até serem contratados por Sebastião Augusto Cortes e serem deslocados para Angustura, em São José de Além Paraíba, atual Juiz de Fora.
Vapor America
Certificado de Vacina - Scarpa e Canu
Passaporte Scarpa/Canu - frente, datado de 1896
Passaporte Scarpa/Canu - verso, datado de 1896
Certidão de Nascimento - Antonietta Scarpa
Página do Livro da Hospedaria dos Imigrantes Horta Barbosa, de Juiz de Fora
onde está registrado a Família Scarpa/Canu. Antonietta Scarpa foi equivocadamente registrada como Antonio no livro
No ano seguinte dá-se início a saga de outra parte de minha família, quando meu tataravô Salvatore Cocco e minha tataravô, Pasqua Maria Idile, juntamente com seus filhos Maria Cocco, Andrea Cocco, Vittoria Cocco e Bernardo Cocco, meu bisavô, que contava com 11 anos de idade, também todos oriundos da aldeia de Tissi, Sassari Sardenha, percorreram uma longa distância até Cagliari e de lá até Genova, onde no fim do ano de 1897 embarcavam no Vapor Espagne rumo ao Brasil, tendo desembarcado no Porto do Rio de Janeiro e foram levados de trem até Juiz de Fora, onde chegaram, em 16.12.1897, tendo sido contratados por Ernestos Bastos e partiram, em 28.12.1897, rumo a Fazenda Guarany, localizada em São José de Além Paraíba, atual Juiz de Fora.
Vapor Espagne
Certidão de Nascimento - Bernardo Cocco
Página do Livro da Hospedaria dos Imigrantes Horta Barbosa, de Juiz de Fora
onde está registrado a Família Cocco/Idile.
Ambas as famílias passaram a habitar em locais próximos e tinham muitas particulares em comum, pois eram ambas sardas e da aldeia de Tissi, o que levou a um grande entrosamento entre eles. Tanto que, anos mais tarde Antonietta Scarpa casou-se com Bernardo Cocco.
Antonietta Scarpa
Antonietta Scarpa
Bernardo Cocco, que fugindo a regra dos sardos, possuía belos
olhos azuis
Meu pai (bebê), minha avó e meu bisnonno, Bernardo Cocco

Do casamento nasceu Penha, Maria, Paulino, Angelina, Nilton, Nair, meu avô, José e Nadir.

Eu e meu avô, José, filho de Antonietta e Bernardo
Após o casamento, Bernardo Cocco foi trabalhar na propriedade adquirida por seu sogro, Giovanni Battista Scarpa, que possuía uma estória de vida muito distinta da maioria dos imigrantes daquele tempo. Na verdade, ele não estava dentre as levas de miseráveis italianos que chegavam todos os anos ao Brasil, mas era de família abastada, proprietária de posses na Itália e trouxe dinheiro para recomeçar com sua esposa e filhas uma nova era em sua vida.
Entretanto, anos mais tarde, com a crise do café, meu tataravô perdeu a propriedade que possuía, onde havia aplicado todo o dinheiro da família e ele e os filhos, genros e noras percorreram algumas cidades de Minas Gerais até partirem para o Rio de Janeiro.
Nesse ínterim faleciam meus tataravôs Salvatore Cocco e Pasqua Maria Idile.
Todos esses anos em que permaneceram no Brasil, minha bisavó, Antonietta Scarpa, continuava a manter contato com seus parentes que permaneceram na Itália por meio de carta e, com a ajuda de meu avô, que possuía boa caligrafia, ela respondia a todas as cartas. Meu avô sempre me falava do endereço, Sassari, Via Roma.
No final da década de 60 a família foi abatida por um evento terrível. A irmã de meu avô, Penha, havia se casado com um homem de conceituada e abastada família do município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, entretanto, seu marido juntamente com sua amante armou uma emboscada para a mesma e assassinou-a com um tiro a queima roupa no ouvido. Apesar do acontecido ter se dada em via pública e muitas terem sido as testemunhas nenhuma justiça foi feita, falando mais alto o prestígio e o dinheiro do assassino. Naqueles dias os pais de meu avô, na qualidade de cidadãos italianos pediram ajuda do Consulado Italiano no Rio de Janeiro, mas nenhuma ajuda receberam.
Depois disso minha bisavó nunca mais foi a mesma, caiu em tristeza profunda, passando a apresentar moléstias cardíacas.
No ano de 1973 recebeu uma carta do Consulado requisitando que ela e sua irmã Maria fossem ao Consulado tratar de assuntos do seu interesse. Meu avô, filho mais próximo, acompanhou minha bisavó que, lá chegando receberam a notícia de que haviam herdado uma fazenda, visto que seu pai, real proprietário da mesma, já havia falecido e a terra necessitava que fosse regularizada a sua propriedade. Nessa ocasião o Cônsul, que os atendeu em pessoa, ofereceu passagens para elas e todos os seus para que, se quisessem, retornassem à Itália e fossem tomar posse de sua propriedade, uma vez que a mesma era fértil e poderiam tirar seu sustento da mesma.
Meu avô me conta que viu os olhos de sua mãe brilhar mais uma vez com a possibilidade de voltar a sua terra natal, onde se recordava de uma infância feliz, já que a vida aqui no Brasil lhe fora muito penosa e dolorosa. Entretanto, minha bisavó já estava em idade avançada, acometida de muitas moléstias e todos os seus filhos e filhas já haviam constituído família, possuíam trabalho, estavam estabelecidos, assim ninguém quis ir para a Itália com sua mãe e muito menos acharam por bem deixarem que ela retornasse sozinha. Dias depois da ida ao Consulado minha bisavô recebeu uma carta de uma tia pedindo para que não vendessem a fazenda, uma vez que ela e sua família moravam naquelas terras e dela tiravam seu sustento. Assim, decidiu-se por dar a terra em usufruto à família, pois assim os que lá estavam ficaram amparados, uma vez que foram eles quem cuidaram dela por todos esses anos e nada mais justo do que a mesma continuar com eles.
Pouco tempo mais tarde minha bisavô veio a falecer em decorrência de um enfarte, seguido de meu bisavô. As cartas que vinham da Itália pararam e todo e qualquer contato com os parentes de lá fora perdido.
Meu avô se ressentia de não ter realizado o último desejo de sua mãe, retornar a Itália, a sua terra natal.
Eu sempre fui a neta mais próxima e gostava de ouvir repetidas vezes toda essa estória e sentia muito orgulho de minhas origens.


Quando me tornei adulta e passei a trabalhar, no Centro do Rio, realizei um antigo sonho, o de aprender a língua italiana. Assim, me matriculei no Instituto Italiano di Cultura, curso do Consulado da Itália no Rio de Janeiro.
Sempre que possível ia à biblioteca e acabei por fazer amizade com a bibliotecária.
Em uma conversa a confidenciei que era descendente de sardos e relatei toda a história que eu conhecia. Ela me perguntou porque eu não tentava procurar as pessoas ou, os descendentes destes, com quem minha bisavó se correspondia e me falou de um site chamado Pagine Bianche, espécie de lista telefônica, no qual digitando o sobrenome, a rua e a cidade eu poderia achar o nome completo, endereço e telefone da pessoa. 



Assim, eu fiz. Para minha surpresa localizei na Via Roma de Tissi, 3 pessoas que poderiam ser meus parentes.
Mediante tudo isso, escrevei uma carta para cada família contando minha estória, anexando os documentos que eu tinha e disse que eles poderiam ser meus parentes. Enviei todos os meus meios de contato e, passados pouco mais de 20 dias, recebi um e-mail de uma senhora que se apresentou como amiga de uma das pessoas para quem enviei as cartas. Tudo isso se deu, em abril de 2008 e desde então nunca mais perdi contato com eles.
Eles percebendo a minha curiosidade se predispuseram a realizar uma pesquisa junto ao cartório da cidade e ver se encontravam algo que pudessem nos dar alguma confirmação de nosso parentesco.
Nesse ínterim me convidaram para conhecer a cidade e me indicaram o mês de maio, mês em que é primavera na Sardenha, é a festa da padroeira de Tissi, Santa Vittoria, e há a Cavalcata Sarda, em Sassari.
 Meu avô ficou super animado com a pesquisa que eu estava fazendo, resgatando as suas origens e realizando o último desejo de sua mãe e que passou a ser dele também. Era o sonho que compartilhávamos. Infelizmente, meu avô faleceu em 06 de janeiro de 2010, sem ter havido a possibilidade de ir comigo a terra de seus pais.
Eu e Marcelo no vôo Roma-Alghero, no dia 12.05.2009

No dia 11 de maio de 2009 embarquei com meu noivo, Marcelo, rumo à Sardenha e chegamos ao Aeroporto de Fertilia, em Alghero, por volta das 22h30 do dia 12 de maio. Nos esperavam Sr. Ignazio (uma das pessoas para quem enviei uma das cartas), sua esposa Sra. Carmen, Ilaria (filha de outro possível parente), Sr. Benito (amigo de Sr. Ignazio) e um amigo de Ilaria.
Não consigo descrever a emoção que senti chegando na terra de meus bisavôs e me desfiz em lágrimas.
Desembarcando (chorando!) - Aeroporto de Alghero
 Muito cansados da viagem fomos para o Convento Colônia San Pietro, onde ficamos hospedados, uma vez que Tissi, cidadezinha de cerca de 2.000 habitantes, não possui hotel, mas somente essa casa religiosa dotada de muitos quartos. Foi maravilhoso acordar na Sardenha!
A viagem toda foi maravilhosa. Dei muita sorte, pois todos nos recepcionaram maravilhosamente bem. Na cidade de Tissi, fizeram até mesmo um evento para que eu contasse à cidade a história da minha família. Presentearam-me com vários livros e vídeos sobre Tissi e da Sardenha. Ganhei até mesmo a blusa do time de futebol da cidade. Ganhei uma fede sarda, anel de ouro trabalhado em filigranas que as mulheres sardas usam quando se casam, como sinal de minha união as minhas origens sardas.
Minha fede sarda
Com a camisa do time de futebol de Tissi
Me fizeram várias surpresas. Uma das que mais gostei foi o convite para visitar a casa onde minha bisavó, Antonietta Scarpa, havia nascido, conforme descobriram no cartório da cidade, atualmente de propriedade de duas irmãs muito simpáticas. A outra foi uma pesquisa de minha árvore genealógica desde do primeiro Scarpa, Canu, Cocco e Idile chegou a Tissi, por volta de 1600, o que me possibilitou descobrir que eu enviei as cartas aos locais exatos, pois aquelas famílias, como muitas outras da cidade eram filhos, netos e bisnetos dos Scarpa, Canu, Cocco e Idile que permaneceram na Sardenha.
Fiquei maravilhada com toda a beleza da Sardenha, a imensidade cultural da Festa de Santa Vittoria, da Cavalcata Sarda e escutar o sardo sendo falado nas ruas. Adorei conhecer suas belezas naturais, como a Gruta de Netuno, Costa Paradiso, Costa Esmeralda, Ilha da Maddalena, Ilha da Asinara, ... assim como os monumentos feitos pelo homem, como os Nuraghes, a Basílica de San Gavino e suas catacumbas, as torres espanholas espalhadas por toda a Ilha, a Basílica de Santa Trinità di Sarccagia, ... Conhecemos todo o norte da Ilha desde as maiores cidades, como Sassari, até pequenas aldeias.
Gruta de Netuno
Isola Rossa
Nuraghe Santu Antine, Torralba, Sassari
No interior do Nuraghe de Santu Antine. Só 5000 anos de história...
Fachada da Igreja de Santa Vittoria, Tissi (construção do séc. XI)
Basílica de Santa Trinità di Sarccagia
Igreja de Santa Anastasia, Tissi (construção do séc. XI)

Basílica de San Gavino, Porto Torres
Santa Teresa di Gallura
Entrada do Castelo de Castelsardo
Eu e Marcelo desbravando os 700 degraus (de volta) do paredão
da Gruta de Netuno
Cavalcata Sarda, Centro de Sassari
Costa Paradiso
Da belíssima praia da Pelosa, admirando a Ilha da Asinara
A famosa praia La Cinta, San Teodoro
A Via Roma (Tissi)... a rua que meu avô lembrava
 Tudo isso somente aumentou mais ainda o meu orgulho de minha origem sarda, mas o principal é que voltei à terra de meus antepassados, reencontrei a família, vi a Via Roma da qual meu avô lembrava, realizei o sonho de minha bisavó, do meu avô, o meu.
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Sou orgulhosa de meu sangue sardo!
FORTZA PARIS!

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